Falso verde: o greenwashing na arquitetura sustentável.
Apesar das boas intenções, outra grande tendência emergiu no mercado: o chamado greenwashing, uma prática oportunista que busca aparentar sustentabilidade sem realmente ser.
pro archshopsetembro de 2024curiosidades arquitetura
A arquitetura sustentável faz parte de um movimento que ganhou força nos últimos anos. Temos presenciado cada vez mais setores do mercado preocupados com o meio ambiente e envolvendo seus produtos em soluções mais sustentáveis. Para a arquitetura, esse é um caminho importante a ser seguido. Seu impacto ambiental tem proporções indiscutíveis e pode colaborar de forma positiva para o futuro do planeta.
Entretanto, apesar das boas intenções, outra grande tendência também surge no mercado. Chamada de greenwashing, pode ser vista como uma antagonista dos processos sustentáveis. De forma oportunista, ela adota a "estética verde" para se manter relevante no mercado. Nesse artigo buscamos explicar a origem desse fenômeno e como a arquitetura sustentável é afetada.
Greenwashing é uma prática enganosa de marketing em que uma empresa ou produto se apresenta como mais sustentável do que realmente é. Essa prática tem como objetivo atrair novos compradores, principalmente aqueles com consciência ambiental. O greenwashing é amplamente criticado por especialistas pois engana o público e distorce o real significado de "sustentável".
O termo é fruto da união entre duas palavras do inglês. Whitewash (branquear), usado para descrever processos de omissão de informações, e green (verde), que simboliza o meio ambiente.
Apesar de não ser uma prática recente, o termo tem ganhado mais destaque nos últimos anos. Em setembro de 2022, por exemplo, foi incluído oficialmente no dicionário da . A editora estadunidense é a mais antiga e prestigiada no ramo de dicionários. Isso mostra o reconhecimento do termo e sua relevância na atualidade.
Segundo o , o greenwashing se apresenta como uma tática que cria a ilusão de uma empresa ou produto ambientalmente amigável. Na realidade, contudo, não se preocupam em diminuir seu próprio impacto na natureza. Seria a divulgação de uma imagem irreal que busca convencer novos consumidores à compra.
Através dessa imagem inventada, as empresas favorecem suas marcas e geram uma falsa sensação de legitimidade. Os discursos sustentáveis contribuem para um efeito financeiro positivo. A "etiqueta verde" se torna um caminho viável para estimular o crescimento da marca. Sem que seja preciso, nesse caso, "pensar verde".
A prática é encontrada em muitos momentos da história. Temos nos anos 1960, por exemplo, o caso da empresa de energia Westinghouse. Após ser confrontada pelo movimento antinuclear, a empresa divulgou uma série de propagandas institucionais. Ela afirmava que suas usinas nucleares eram seguras, limpas e forneciam mais eletricidade.
Mesmo que de fato exibissem vantagem contra as usinas de carvão, as propagandas não expressavam tanta segurança. Elas vieram em um momento turbulento no qual colapsos nucleares eram frequentes. Além disso, as propagandas também ignoravam os resíduos nucleares produzidos pelas usinas e seu impacto ambiental na natureza.
O Caso Westinghouse pode ser lido como um exemplo de greenwashing antes mesmo do termo ser inventado. Nele identificamos uma empresa que tenta encobrir ou ignorar suas sequelas no meio ambiente, ao mesmo tempo em que se declara limpa. A invenção do termo acontece anos depois, através do ambientalista estadunidense Jay Westerveld.
Em 1983, enquanto fazia uma breve passagem por um resort à procura de toalhas, um pedido do próprio hotel lhe chamou a atenção. Eles solicitavam que os hóspedes reutilizassem suas toalhas em "prol do meio ambiente". Era um pedido peculiar aos olhos do ambientalista, já que raramente instituições como aquela se esforçavam para serem sustentáveis.
Westerveld entendeu posteriormente que a ação do hotel visava a economia nos custos de lavagem, o que apenas ajudaria a própria empresa. Aquela era uma aplicação inadequada de questões ambientais que buscavam justificar uma atitude da empresa.
Três anos depois, em 1986, o ambientalista escreveu em seu trabalho de conclusão de curso a primeira menção ao termo. "It all comes out in the greenwash" (ou "tudo sai na 'lavagem verde'"). À pedido de um amigo, Westerveld transformou a frase em um ensaio completo sobre a indústria hoteleira.
Um ano depois o ensaio foi publicado em uma revista de grande circulação. Não demorou até que o termo caísse nas grandes mídias. Hoje encaramos o greenwashing como um dos principais obstáculos para o desenvolvimento dos processos sustentáveis.
Mas o que se ganha mentindo sobre a sustentabilidade? Com o crescimento contínuo da preocupação ambiental, se tornou eticamente correto prezar pelo meio ambiente. Para as empresas, o greenwashing é uma ótima oportunidade de enriquecer a própria imagem. Não há preocupação em ser sustentável, mas sim parecer.
Características do greenwashing
Entendemos o greenwashing como uma prática pejorativa que deve ser combatida e desmascarada. Quando utilizado, o greenwashing ameaça ainda mais o estado do planeta. Ele atrasa as ações reais que poderiam estar acontecendo pela melhoria e preservação ambiental. Além disso, também coloca em risco a reputação das empresas, que lançam ao mercado produtos suspeitos e prejudiciais.
Procurando identificar as aparições do greenwashing no mercado, em 2007 a consultora canadense desenvolveu um estudo sobre o tema. Chamado de Sins of Greenwashing (ou Pecados do Greenwashing), o estudo resultou em uma lista com as principais características da prática. Desde seu lançamento, o greenwashing se tornou ainda mais evidente e a lista cada vez mais atual.
Abaixo elencamos os 7 pecados destacados pelo estudo.
7 pecados do greenwashing
Pecado do custo ambiental camuflado
O pecado do custo ambiental camuflado se apresenta na declaração de que um produto é sustentável se baseando em atributos superficiais. Ou seja, a declaração favorece um aspecto "verde" do produto, mas ignora outras questões ambientais.
Um bom exemplo é o papel. Ele pode ser vendido como fruto de madeira reflorestada, mas nem por isso é a opção mais sustentável. Outras etapas em seu processo de produção devem ser levadas em conta. A emissão de gases de efeito estufa e a utilização de cloro para seu branqueamento são duas delas.
Pecado da falta de prova
O pecado de falta de prova é encontrado em declarações que se baseiam em fontes inacessíveis ou inexistentes. Em outras palavras, quando uma declaração sustentável não é respaldada em nenhuma informação disponível ou alcançável. Esse afastamento impede sua confirmação.
Um caso recorrente desse pecado está nas porcentagens de materiais PCR (reciclados pós-consumo). Esse é um tipo de ação sustentável que retorna diversos materiais para a cadeia de produção em forma de matéria-prima. As empresas, no entanto, não apresentam provas acessíveis sobre essas porcentagens. Isso dificulta a garantia da declaração e pode indicar uma prática de greenwashing.
Pecado da incerteza
O pecado da incerteza compreende uma declaração tão pobre, vaga ou abrangente que seu real significado se perde no discurso. Um grande exemplo são produtos que alegam serem "totalmente naturais". Ser natural não se iguala a ser ecológico ou sustentável. Arsênico, urânio e mercúrio são elementos químicos naturais e mesmo assim altamente venenosos.
Uma declaração baseada no pecado da incerteza usa de discursos vagos para chamar a atenção do consumidor. E pela abrangência das afirmações, é impossível reconhecer sua real mensagem.
Pecado do culto a falsos rótulos
O pecado do culto a falsos rótulos se apresenta quando uma empresa endossa uma certificação ambiental que não existe. É a criação de falsos selos verdes que levam o consumidor a acreditar que o produto foi aprovado em uma análise sustentável oficial. Se apropriando de imagens e palavras, esse pecado busca construir uma impressão favorável da empresa e do produto.
Por isso é importante estar atento aos selos assumidos pelas marcas e conhecer as certificações oficiais existentes no mundo hoje.
Pecado da irrelevância
O pecado da irrelevância é identificado quando as empresas utilizam informações sem importância para vender seus produtos e serviços. Nesse pecado, busca-se destacar aspectos positivos e verdadeiros, mas que não fazem diferença quando visualizamos num contexto geral.
Um exemplo é o CFC (clorofluorcarboneto), composto com grande potencial destrutivo na camada de ozônio. Ao indicar que um produto é "livre de CFC", entendemos como algo positivo e sustentável. E de fato é. Entretanto, a declaração se torna irrelevante já que o composto é proibido mundialmente pelo Protocolo de Montreal - estabelecido em 1989.
Pecado do menos pior
O pecado do menos pior é caracterizado por versões sustentáveis de produtos que, fundamentalmente, não são sustentáveis. Esse pecado destaca um produto de qualidades positivas, mas ignora o impacto ambiental causado por toda a categoria daquele produto.
Para ilustrarmos melhor, adotemos os cigarros orgânicos como exemplo. Apesar de serem uma versão alternativa e natural dos cigarros industrializados, eles continuam sendo cigarros. O pecado do menos pior tenta criar satisfação no consumidor sobre uma categoria de produtos que, na realidade, deveria ser evitada por completo.
Pecado da mentira
O pecado da mentira talvez seja o mais simples da lista. Ele ocorre quando as declarações sustentáveis das empresas são puramente falsas. Produtos podem ganhar certificações e registros oficiais ou até mesmo afirmarem relação amistosa com o meio ambiente. Não há limites quando o assunto é mentira.
O greenwashing e a arquitetura sustentável
No início de 2022, a publicou uma lista prevendo as próximas tendências da arquitetura. Entre cerâmicas e madeiras coloridas, a equipe da mostra destacou as "ações verdes" como um fator de grande potencial. Esse é um exemplo de como as soluções sustentáveis estão cada vez mais presentes na arquitetura - tão presentes que se tornaram tendências.
Ser uma tendência não é, logicamente, o grande problema dessa questão. O desenvolvimento sustentável pode até se beneficiar dessa dinâmica, propagando ainda mais sua mensagem. Entretanto, vimos ao longo do artigo que as marcas raramente têm boas intenções. Na corrida para se manterem relevantes no mercado, a mensagem sustentável é muitas vezes esquecida.
As empresas acabam surfando na tendência das "ações verdes" para favorecer sua imagem com o grande público. Ignorando os pilares da sustentabilidade, elas divulgam ideias superficiais e enganosas para vender seus produtos. Essa é uma prática encontrada em inúmeras indústrias - a arquitetura sendo uma delas.
O que é greenwashing na arquitetura? O greenwashing na arquitetura é uma prática que apresenta projetos como mais sustentáveis do que realmente são. Isso pode incluir alegações falsas ou exageradas sobre eficiência energética, utilização de materiais verdes, integração de fontes renováveis de energia, entre outros aspectos.
Os processos de greenwashing na arquitetura se camuflam em características que, a olho nu, acreditaríamos serem positivas ao meio ambiente. Para exemplificar melhor, listamos 4 delas abaixo.
Exemplos de greenwashing na arquitetura sustentável
Um dos exemplos de greenwashing na arquitetura sustentável é a afirmação de que uma edificação é “livre de carbono”. Embora pareça positivo, não há nenhum padrão definido para esse tipo de construção. Isso significa que as empresas podem usar a expressão de maneira enganosa.
Além disso, a maioria das edificações não é realmente livre de carbono. Sua construção e manutenção geralmente demandam a emissão do composto.
Outro exemplo de greenwashing na arquitetura sustentável são as edificações eco-friendly. Esse caso compartilha a problemática do anterior: parece positivo, mas muitas vezes não é. A falta de um padrão para definir edificações eco-friendly permite que as empresas criem suas próprias métricas.
Apesar de existir projetos arquitetônicos ecologicamente corretos, a maioria deles não é. Edificações dependem de energia e recursos para serem construídas.
Como terceiro exemplo, podemos citar as fontes de energia renovável. Característica muito presente na arquitetura sustentável. elas não escapam dos processos de greenwashing. Muitas edificações apresentadas como sustentáveis utilizam, na verdade, energia convencional para funcionar.
Além disso, é comum encontrarmos sistemas de energia renovável em projetos que no geral não são. Os sistemas perdem seu contexto sustentável para ajudarem a vender uma edificação como “verde”.
Encontramos também o greenwashing nas construções que utilizam materiais sustentáveis. Muitos projetos arquitetônicos defendem a aplicação de recursos naturais em seu planejamento. Entretanto, como vimos no pecado da incerteza, isso não significa que a edificação é sustentável. Em alguns casos, os materiais verdes apresentados podem ter impacto negativo no meio ambiente, contrariando seu objetivo principal.
A prática do greenwashing deve ser combatida o quanto antes. Para que isso aconteça, é importante que os consumidores estejam atentos. É preciso conhecer os pilares da sustentabilidade para identificar alegações e informações falsas. Junto a isso, é importante também que a regulamentação seja mais pontual e rigorosa.
Concluímos que o greenwashing é uma prática enganosa que prejudica a imagem da arquitetura sustentável. É essencial que os profissionais da área trabalhem juntos para garantir projetos mais eficientes e verdadeiramente verdes. Esse planejamento não só beneficia o morador na economia de água e energia, como também o meio ambiente diminuindo seu impacto na natureza.
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